Vingança, quando a vida se impõe
série de ensaios: reconhecer o valor, ou patologias sobre nosso próprio valor
3o ensaio: “Inveja, quando o valor é corrompido”
Nessa série de ensaios, que tem algo também de muito pessoal acerca a reflexão sobre valor, tenho aprendido muito, inclusive em MindScape, a observar nossos maiores medos e crenças sobre valor. O “grilo falante” da nossa mente, a inveja e neste, a vingança, parecem ser facetas da baixa auto estima, da confusão mental sobre seu valor, das sabotagens “naturalizadas” pelas desculpas e justificativas que estipulamos para nós mesmos – “Fiz questão de esquecer; que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira”. Como fomos condicionados a não valorar, a perder valor, a baixar valor faz movimentos desastrosos nas relações, mas antes mesmo começam na nossa mente. Ou ainda, se estabelecem no nosso coração com uma “verdade”.
Parte das nossas questões de valor parecem mesmo se apegar a percepção de verdade, que leva a ideia que o erro é inaceitável, e que, portanto, a melhor saída, é manter tudo sob controle. Moldamo-nos para que o outro possa nos aceitar, com nossos erros controlados, nossos medos contidos, nossas emoções sufocadas, pois assim sentimos que podemos parecer verdadeiros, dignos da atenção do outro. Veja que verdadeiro aqui tem uma conotação codependente que diverge inteiramente da sensação de verdade como aquela que emana do coração e que pode sim mudar com as circunstâncias.
A verdade absoluta é prima irmã do controle. Se deixarmos a verdade encontrar seu fluxo, temos a sensação que podemos ser descartados ou avaliados de maneira negativa. Em nome de uma verdade sem dúvida, nossa insegurança acaba reinando em nossas crenças. Não queremos abalar nosso conforto, então preferimos, consciente ou inconscientemente, segurar a certeza com as mãos, com força. Com medo de sermos julgados, nos enfraquecemos “da nossa real”. Realidade seria, de alguma forma, acreditar no fluxo.
Confiança passaria pela sensação de ser capaz de lidar com a vulnerabilidade da vida. Autores como Brené Brown afirmam que confiança é sobre vulnerabilidade. Ser vulnerável tem algo, no imaginário, de “perigoso”. “É perigoso não ter certeza”, “é arriscado não saber”, “serei desconsiderado se errar”, “serei julgado se não souber”, “o que pensaram de mim se tentasse diferente”. Mas, de fato, vulnerabilidade é sobre ter coragem – Brown fala de escolher coragem ao invés de conforto – seria, portanto, mais sobre “confio no meu caminho”, “posso me sintonizar com o que é bom para mim”, “conheço minhas armadilhas mas posso carinhosamente sentir o fluxo da vida e aprender novas rotas”, “isso é definitivamente bom para mim; e aquilo outro, não é”, “conheço meus limites e os coloco com firmeza para seguir meu caminho em paz”.
Se isso não acontece – a fluidez da confiança através da vulnerabilidade saudável, o que inevitavelmente está em jogo é perder-se. Perdido, você sente medo e sua sensação de valor fica abalada, duvidosa, em risco. Em dívida. Torna-se um alvo fácil, energeticamente inclusive. Alvo, você está disponível para um “refluxo”, um retrocesso. A vingança daqueles que estão duvidando dos valores se instaura na energia das trocas. A vingança entra em cena quando a confiança já não está mais no centro, onde você se sentiu “atacado” pelos julgamentos, quando seu campo de ação está indefeso. Veja, vulnerabilidade não é sobre desproteção; é sobre saber o que é real para você. Ao contrário, fragilidade ou desproteção é sobre estar perdido. Sem rumo, fora do fluxo, fora de órbita. A vingança é um tiroteio sem saber de onde veio.
Acabei de viver isso, pessoalmente. Muita dor, em campos invisíveis e também bem palpáveis da vida. Foi um aprendizado e tanto. Abri meu campo para provar o quanto estava indefesa. Mais que vítima de vingança, foi atriz no teatro onde não há valor que recompense. Se você está vivendo isso, já viveu, ou pressente algo em torno de você nesse formato – onde a vingança torna-se rainha das suas sensações, onde uma presença ameaçadora parece definir seu fluxo – lembre-se da coragem. A cor do coração. Retome a rota ao coração, se abrigue nele até a tempestade passar, reavalie sua base de proteção, veja o quanto permanecer em você é seguro, constate o quanto os julgamentos são flechas, pólvoras, indecorosas porque invejosas.
Reaprenda a permanecer no coração. Espere todas as barricadas da mente se auto destruirem por não servirem mais ao seu propósito. Até que, um dia, você acorda e o sol veio depois de muito tempo de chuva. A vingança não faz mais sentido – nem de outrem, nem sua mesmo, sem consigo, nem com o outro. Uma nova atitude mais segura nasce no amor. É simples. Singelo. Tem risos, talvez alguns congelados, talvez alguns sem muito jeito. Você pode se sentir desajeitado. Calma, você está renascendo da dor. E depois dela, vem um conforto que você mesmo pôde restabelecer. Você se sentirá agora rei/rainha do seu fluir; se sentirá Arjuna, épico personagem arquetípico do Bhagavad Gita, livro sagrado da filosofia hindu, que, em frente a batalha em que matará seus próprios entes queridos, entende que não é sobre vingança, é sobre coragem.