Te conto um despertar
A escrita para mim é um exercício genuíno de expressão. Foi cultivada desde muito cedo na minha história pessoal: por tios intelectuais, por meu pai artista de alma, pela minha mãe educadora de coração e por uma família em que não pude compartilhar minha imaginação pois era filha temporão. Passei bastante tempo sozinha, entre o silêncio das orquestras do meu pai, o carinho de minha mãe e o vai e vem dos meus irmãos. Lá estava eu, escrevendo com a arte – tive uma infância e adolescência de muita arte – e com meus devaneios solitários mas muito, muito cheios de sentido. Quem diria que me tornaria dançarina, pesquisadora e deste longo caminho, terapeuta, também da escrita.
A escrita tem componentes assim subjetivos, muito desde profundezas do nosso ser. Por isso é tão potente, misteriosa, difícil, desafiadora mesmo e tão, tão fascinante. Por tudo isso, é terapêutica. É uma profissão, a quem a pratica. É uma necessidade de se colocar no mundo, desde nossa tenra juventude. É um patamar de maturidade de uma sociedade e cultura: sorte daquele país que acorda e dorme escrevendo. Dizia quando criança que queria uma vida para ler outra para viver. Mas descobri o BodyTalk aos quase 40 anos e hoje tenho uma vida de viver a escrita de nossas histórias.
Essa nova sequência de ensaios a que me proponho é para te escrever como o BodyTalk é um viver. Quero te abrir espaços da mente e do coração cujas histórias são de todos nós, algumas minhas pois posso abrir os quadrantes de mim onde tantos habitam, e também de outrem a quem sua subjetividade é pura alegria de viver. Não são estudos de caso, nem tem a intenção terapêutica de te mostrar nenhum dado específico. São contos cuja terapia fez desabrochar, cujo ser é todo ele um livro aberto.
Começo te contando um pouco como comecei a escrever. Preciso te contar que já chorei muito em páginas escritas e rascunhadas de vermelho pela minha orientadora de pós graduação; que guardei algumas delas como um totem das guerras que venci sobre meu próprio desalento (depois já desapaguei); que guardo alguns preciosos e prêmios nobels de poesia entre amantes; que estou escrevendo alguns livros ao mesmo tempo e que sou editora da Revista Periódico Escuta, sobre BodyTalk cujo um dos recentes desafios é propor aos colegas escreverem. A escrita tem me acompanhado na vida profissional fazendo da minha vida pessoal um lugar cada vez mais rico. Escrevo para viver e vivo para que a escrita emerja. Escrever é inevitável.
Assim percebo ao meu redor. Expressar-se é inevitável! Mas por que escrever é tão difícil?! Por que escrever exige? Por que as linhas ordenadas em sequências não obedecem ao caos dos nossos desejos? Por que a escrita é mais um resultado do que um processo? Por que a escrita “tem que ser”… assim?
Em meus recentes tempos como curadora de dança, andava já em contato com uma escrita performativa. A performatividade é um conceito de expressão linguística (Austin) na qual a escrita é uma ação. Escrever já é um ato de ser. Não é antes, nem depois. Não é sobre. Isso a dança se vale muito para falar de sua possível efemeridade. A escrita é sobre o que já está sendo.
Olha como isso se parece com um olhar do ser e a consciência, tal como sentimos quando fazemos, recebemos ou pensamos sobre BodyTalk?! Enquanto observamos, já acontece. Enquanto intuímos, se manifesta. Não é nossa observação que faz mudar, nem a mudança que dá crédito a nossa observação. É tudo ao mesmo tempo.
Escrever sobre BodyTalk é dessa ordem de desafio. É o que está acontecendo agora ao mesmo tempo em que ordeno, ainda que de forma ilusória, uma linha depois da outra. A ordem dos meus desejos de escrita é como uma paixão, acontece.
Assim como escrever é inevitável; o BodyTalk se torna um modo de viver, de maneira inevitável. Não há como controlar, prever ou determinar quando e como suas sessões, sua percepção, seus pensamentos irão se expandir. Mas eles irão.
Dedico este ensaio aos colegas do Escuta – aos que escreveram, ou não, e aos que escreverão
Nirvana Marinho