Banquete das expressões 

novembro 2022

Esse fim de 2023 tem sido muito precioso, em um sentido mais amplo, porque os conflitos também são oportunidade de crescimento. Preciosidade é olhar para as coisas desde seu brilho, sabendo que o brilho pressupõe que uma luz incide e uma sombra também se faz. O todo está contemplado, embora sejamos apaixonados pelo precioso unicamente brilho. Mas então, o amor de ser se declina a tudo que há, como é. E brilho e sombra fazem parte. E luz e sombra fazem parte. E sim e não fazem parte. Assim se torna mais possível ver todo o prisma de cores que o brilho pode ter.

É dessa maneira que retomo poucos ensaios para trazer uma reflexão sobre os tempos calorosos que vivemos – enquanto escrevo esse ensaio, o Brasil foi colocado dentro de um forno quente reclamando as atitudes que tomamos em relação à natureza. Nossa única expressão tem sido: ai que calor infernal. Retomo porque a expressão da natureza torna-se nossa a medida que nos incomoda – quando está chovendo a gente reclama que podia estar quente, quando está quente, a gente pede mais frescor – e nós muitas vezes não nos damos conta como nós “somos a natureza”. Entre aspas porque é óbvio, mas não agimos muitas vezes como se fosse – se não, não teríamos feito tão mal à própria natureza, a esse ponto. 

E você deve estar, claro, se perguntando porque estou falando de calor e preciosidade. Na verdade, quero falar do modo com o qual nos expressamos. Quero falar do modo com o qual nossa expressão fala – ou não – de nós mesmos. O quanto estamos disponíveis para checar se o que comunicamos, o que expressamos é de fato o que estamos querendo. O quão alinhado está nosso viver, dizer e fazer. E nosso querer? É anterior, posterior ou nem está considerado nessa equação? Como se equilibra nossa expressão?

Para isso, vou falar algo muito pessoal e considero uma parte muito bonita da minha mãe – a quem dedico esse texto, inclusive pela distância a que estamos neste momento. Muitas vezes, em minha infância, minha mãe dizia: “minha filha, você tem que aprender a ver as pessoas como elas são”. Consigo ouvir sua voz, o tom, o carinho, o cuidado dessas palavras repetidas tantas vezes frente a minha ousadia, até prepotência, ou tentativa de constituir-me diante do mundo que me cercava. Ora eram os irmãos, ora eram as pessoas, ora os fatos ou silêncio deles, minha ousadia dita sagitariana – e já já irei falar sobre astrologia – pareciam “cavalar” tudo isso e minha mãe me pedia: “calma, filha… olha”. Isso trouxe à minha alma a necessidade de meditar, ler muito, dançar muito, tocar muito para silenciar mesmo uma expressão que não conseguia entender “as pessoas como elas são”. É dos um presentes de minha infância, adolescência. E minha mãe talvez não tivesse noção que eu iria me tornar terapeuta, tão pouco astrológa. 

Então, o tempo saturnino passou. Minha expressão afastou pessoas e aproximou outras. Abriu caminhos e fechou outros. Uma miríade de possibilidades se fizeram a minha frente, muitas delas inimagináveis – tal qual a poucos anos atrás seria impensável um calor desses como estamos vivendo, embora tivessem nos advertido. O tempo ensinou, mostrou, constatou. O tempo trouxe a responsabilidade de ver. De ver as pessoas como elas são. De ver a natureza na força que ela é. A vida tem dessas: quando saímos de uma sensação de “dívida” do passado e permanecemos no que é, a força vem. As coisas se mostram como são. A responsabilidade torna-se uma expressão singular de vida. 

Assim, num salto gigantesco como tantos que você, leitor e leitora, deve ter dado também em muitos momentos de sua vida, um novo cenário te “explica” como e porque você chegou até aqui. Embora este ensaio não seja auto biográfico – já avisava que era uma homenagem e essas se dão aos afetos mais únicos – aqui a expressão de abrir os olhos e ver onde chegamos traz uma tomada de consciência.

Tomar a consciência é como tomar a força nas Constelações. É mais que pegar. É mais que sentir. É um todo inexorável, indubitável e, como um raio, se mostra, na luz preciosa da vida. Tudo que vivemos nos trouxe até aqui e isso inclui as dores. Tudo é um todo cheio de nuanças. Tem de tudo mesmo: angústia, alegria, dúvida, certeza, arrogância, medo, ousadia, afeto, incerteza, daí tudo mais e de novo. Daí o prisma que faz luz e sombra fica extenso, quase infinito se você quiser. 

Este ensaio fala disso – da possibilidade de quanto mais se sabe de si, mais curiosas são as várias expressões que habitam o “si”. Somos um prisma de possibilidades, de escolhas, de potências. Embora nosso ego possa nos definir tal qual – sagitariana, mulher, filha, terapeuta, educadora – nossa alma é um prisma de luz e sombra. 

Ao largo de um caminho com BodyTalk e Constelações, hoje entendo Astrologia completamente diferente porque acho que minha mãe tinha razão: tinha mesmo que aprender a ver as pessoas como elas são. Um prisma. Não me tornei terapeuta porque queria aprender. Mas aprendi porque me tornei terapeuta. Foram as nuanças do prisma que estavam me chamando. Mamãe sempre tem razão. 

Hoje entendo Astrologia não como um vinco de personalidade, nem um traço indelével do destino. Entendo as energias dos signos, as expressões das casas e a força dos planetas como luzes que fazem sombras na nossa história (graças ao Método Luz e Sombra, de Claudia Lisboa). Entendo, cada vez mais, que atender com astrologia é uma oportunidade de te aproximar do seu banquete de expressões, para aprendermos as ver as pessoas como elas são. Não como um destino fadado ao futuro. Mas como um presente cheio de possibilidades a medida em que você olha para ele. O presente é uma dança de expressões possíveis de você mesmo.

Sim, apaixonada mas não por um único brilho, mas todos. Como diz Lisboa, não há casa ruim, aspecto ruim, signo ruim. Hoje vejo que tudo que é “ruim” ou “bom” são expressões da alma. E alma pede para ser vista como ela é. Não significa que ela permaneça, significa essencialmente que ela muda como o brilho da luz a medida em que incide e faz sombra sobre nossa vida. 

Quero iniciar, contigo agora, um tempo –  muito calor ainda – de síntese do ano em que possamos “aprender a ver a vida como ela é” o que significa aceitação mas também auto responsabilidade; significa luz e também sombra; significa nossa capacidade de tomar a vida com nossas próprias mãos. 

Desejo que se inicie um tempo de banquete que culmine com suas festas no fim deste ano, nas quais você possa deleitar-se com as expressões da sua vida, sejam elas quais forem e, ao tomá-las, sua força de alma possa se nutrir da vida.

 

Nirvana Marinho

novembro 2023

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